terça-feira, 18 de março de 2014

Jornalismo Afobado


Que o universo de produção jornalística exerce imensurável influência no cotidiano dos cidadãos do mundo inteiro, já não é novidade. No entanto, e cada vez mais, a prática do jornalismo consegue surpreender a todos com seu poder soberano e avassalador no âmago das sociedades contemporâneas: os mediadores das comunidades, - também chamados jornalistas -, vêm concretizando, de fato, o status de legetimadores dos acontecimentos sociais, por meio das diversas mídias que empreendem seus trabalhos. 
Jamais houve na história tamanha dependência com os meios de comunicação. Se os jornais impressos, a televisão e o rádio, já eram artefatos jornalísticos fomentadores da opinião do público, com o advento da Internet, então, os espectadores se viram obrigados, a velocidades estarrecedoras, a não mais formar opiniões, mas consumir um grande número de informações em escalas de tempo cada vez menores. Tais escalas enxutas são concomitantes com o novo trabalho do jornalista na Internet: a produção de notícias online e em tempo real. 
Assim, se nas mídias tradicionais, como em jornais, há mais tempo para a apuração e produção de notícias até o final do dia, nos portais virtuais, por outro lado, o jornalista tem de encontrar os furos de reportagem e as novidades em tempos minuciosamente estipulados e fragmentados para, em seguida, inserir na Internet essas mesmas novidades no tempo e hora que se sucederam com total exatidão. O imediatismo, intrínseco a essa nova forma de produção jornalística, gerou, no entanto, resultados não muito positivos no que concerne ao elo produtor-receptor de notícias.
Pois, o jornalista, pautado por um tempo ínfimo para finalizar uma matéria para a Internet, acaba se sujeitando, fatalmente, aos erros de apuração e veracidade jornalísticas. Como saber se aquela notícia é, de fato, verdadeira, considerando a agilidade com que foi abordada? Da mesma maneira, será que a população averigua se essa ou aquela informação é verídica ou não? As respostas a essas perguntas podem ser perfeitamente ilustradas, aliás, no documentário Abraço Corporativo, do jornalista Ricardo Kauffman. 
O personagem principal, Ary Itnem, é consultor de RH e representante da Confraria Britânica do Abraço Corporativo na América Latina. Com sua "teoria do abraço", o consultor tenta resolver a problemática da "inércia do afastamento", - resultado da carência de relações interpessoais nas empresas, devido ao excesso de tecnologias, - ao dar abraços nas pessoas que vê pelas ruas. Itnem, no entanto, é um falso consultor que trabalha em um grupo forjado, e a ideia de Kauffman era justamente esta: verificar se o impacto do personagem, que rendeu milhares de visualizações no youtube com seus free hugs, seria alvo das pautas jornalísticas.
E, de fato, foi. Nomes importantes do jornalismo como Heródoto Barbeiro acreditou cegamente no suposto consultor. Jornais como O Estado de São Paulo e O Globo foram alguns que noticiaram o caso como verdadeiro também. A partir da grande repercussão que Itnem causou nos grandes veículos de comunicação, nada mais justo do que representar a fragilidade da apuração e credibilidade jornalísticas em forma de filme: Kauffman quis mostrar, com sagacidade, o quanto as instituições jornalísticas carecem de profissionais experientes e aptos a discernir informações falsas das verdadeiras.
Além disso, há um fator proeminente que deve ser levado em consideração, - o jornalismo do espetáculo. Fazendo alusão ainda ao personagem Ary Itnem e a sua "história" impressionante, os jornalistas, juntamente com sua ingenuidade profissional, acreditaram na teatralização do falso consultor, pelo poder de persuasão e verossimilhança das cenas criadas. Desse modo, ao invés dos pauteiros checarem e rechecarem a veracidade, bem como a validez daquele desdobramento, optaram por divulgar um acontecimento que, aparentemente, pelo conteúdo imagético forte, lhes pareciam reais. E, hoje, nas sociedades capitalistas, a espetacularização de uma notícia equivale dinheiro.
Ou seja, os jornalistas vislumbraram, também, o quanto poderiam lucrar ao fazerem uma cobertura sobre o abraço corporativo. Afinal, é um tema inusitado que, além de acoplar entretenimento à curiosidade, possui tanto relevância pública quanto relevância do público. Resta saber, agora, qual será o futuro, definitivamente, do jornalismo: atender às grandes demandas populacionais com informações mal apuradas ou propagar informações com abordagens mais profundas, mais limpas, coesas e verdadeiras em seu entorno?
No mundo das tecnologias digitais, onde tempo é dinheiro, é cada vez mais difícil (re)estabelecer a ordem e a prudência dentro da redação e assessoria de imprensa, - cuja demanda de informação é tão grande quanto o tik tak acelerado do relógio. Não obstante, vale o otimismo do melhoramento e o incremento da prática jornalística que caminha, paulatinamente, sobre trilhos ainda desconhecidos de uma era tão turbulenta como o século XXI. 

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